Contos I

Prova emendada de “Adão e Eva no Paraíso”

A edição crítica deste conjunto de contos de Eça de Queirós, preparada por Marie-Hélène Piwnik, incide sobre  relatos de dimensão, temática e configuração formal muito diversas, relatos publicados ao longo de praticamente toda a vida literária do escritor. De facto, desde que começou a colaborar na Gazeta de Portugal, em 1866, até à participação na quase luxuosa Revista Moderna, entre 1897 e 1900, Eça cultivou, com regularidade e com admirável mestria, este género narrativo, cuja complexa elaboração nem sempre é devidamente valorizada pela análise e pela história literárias.
As circunstâncias de publicação destes contos foram muito variadas. Nuns casos eles resultaram de encomendas para publicações periódicas; outras vezes foi a colaboração regular em jornais portugueses e brasileiros (por exemplo, a já mencionada Gazeta de Portugal, o Distrito de Évora ou a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro) que os motivou; noutros casos  a escrita do conto decorreu de motivações tão singulares como a organização de um almanaque. Sendo assim e sabendo-se também que em tais circunstâncias com frequência ocorriam acidentes de composição tipográfica dificilmente canceláveis pelo escritor (inibido como estava, pela natureza e pelo ritmo de tais publicações, de rever e emendar provas), é natural que não poucos destes relatos apresentem problemas textuais que uma edição crítica trata de resolver, até ao ponto em que isso é possível. Por outro lado, as condições em que se processava o envio, o tratamento e o posterior destino dos originais tornam muito problemática, às vezes quase milagrosa, a possibilidade de se terem salvado manuscritos destes relatos.
Diferentemente destes contos, aqueles que Marie-Hélène Piwnik editou já, no volume Contos II (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003), puderam ser fixados a partir dos manuscritos, justamente pela sua condição de textos deixados inéditos por Eça. O que, evidentemente, levantou dificuldades muito distintas das que agora foram enfrentadas e normalmente resolvidas pela editora. Entre essas dificuldades conta-se a que consiste em justificar uma nova arrumação destes contos, superando publicações às vezes meramente circunstanciais e não raro defeituosas. Começou exactamente assim a fortuna editorial destes dispersos, quando, em 1902, Luís de Magalhães, com boa intenção mas com escassa  fundamentação crítica, deu à estampa o volume Contos.
Desde o início deste projecto ficou claro que o critério de género literário deveria ser determinante, o que tem especial razão de ser no caso de textos póstumos e de textos dispersos, aqueles em relação aos quais, por não ter sido expressa com nitidez (ou por não ter sido expressa de todo em todo) a vontade do escritor, pode e deve ser decisiva a matriz genológica. Um tal critério – repete-se: estabelecido desde o lançamento deste projecto – foi já adoptado por outras recolhas entretanto aparecidas, como é o caso da que foi inserta na obra completa queirosiana, editada no Brasil pela Nova Aguilar. E é assim que não se estranha agora que textos como os breves relatos que dão pelo título “Farsas” (originalmente aparecidos na Gazeta de Portugal) ou “O Réu Tadeu” (incompletamente publicado no Distrito de Évora) compareçam nesta escolha, ao lado de contos mais amadurecidos e bem conhecidos pelo seu refinamento formal, como “Um Poeta Lírico”, “A Perfeição” ou o admirável “José Matias”.
Do sentido de exigência e do rigor de procedimentos que presidiram a esta edição  falam com eloquência os sólidos créditos de Marie-Hélène Piwnik como estudiosa da obra queirosiana e sobretudo como conhecedora profunda dos contos de Eça de Queirós. O facto de, como já se disse, ter sido responsável pela edição crítica dos contos póstumos acrescenta crédito científico e metodológico a este volume. Por todas estas razões, parece evidente que o trabalho que agora se apresenta merece a confiança de quantos pretendam estudar a obra de Eça a partir de textos fiáveis e criticamente consolidados.

Carlos Reis, Nota Prefacial a Contos I. Edição de Marie-Hélène Piwnik. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009.

Carlos Reis

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3 comentários

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