Amélia

Personagem principal do romance O Crime do Padre Amaro, compartilhando esse estatuto com Amaro.

A infância de Amélia Caminha foi vivida entre padres e beatas,  o que a conduziu a uma conceção marcadamente clerical da religião e a um temor exacerbado da ira de Deus.  Assim, sendo dotada de frágil condição emocional, Amélia revela-se, desde cedo, facilmente influenciável e destituída de autonomia e de maturidade psico-emocional. A sua vida amorosa  é, deste modo, marcada por um pendor para o fracasso: a sua primeira paixão por Agostinho, filho do Sr.  Brito de Alcobaça, é infrutífera; o seu relacionamento com João Eduardo não lhe traz satisfação  plena; por fim, a relação que mantém com o padre Amaro está constantemente ameaçada por interdições de ordem religiosa e social. Em tudo, deduz-se dos comportamentos e do destino da personagem o efeito moral e social do temperamento, da educação  e do meio, bem de acordo com o raciocínio determinista e naturalista que o romance acolhe.

Ana Claudia Talancón e Gael Carcía Bernal n’O Crime do Padre Amaro (2002) de Carlos Carrera

Amélia “era uma rapariga de vinte e três anos, bonita, forte, muito desejada” (cap. I), de cabelos  muito negros e abundantes; os olhos eram “vivos e negros”, com “pálpebras de grandes pestanas” e “olheiras leves”; a pele da face mostrava “um trigueiro cálido que uma tinta rosada aquecia”; exibia  um “sorriso cálido que lhe fazia uma covinha no queixo”. Ao longo do seu desenvolvimento psíquico e físico, Amélia  sofre uma evolução: à criatura tímida e crédula, sucede alguém que  infrige as leis instituídas pela Igreja, ao viver uma relação amorosa com um sacerdote.   Paulatinamente, Amélia vai descobrindo que não passava de um mero objeto de desejo para Amaro: “Mas Amélia, agora, já não tinha aquela necessidade amorosa de contentar em tudo o senhor pároco.  Acordara quase inteiramente daquele adormecimento estúpido da alma e do corpo, em que a lançara o primeiro abraço de Amaro”  (cap. XVIII);  por isso, inicia-se a sua reabilitação enquanto mulher e cristã, quando  contacta com uma nova forma de entender a religião, que é a do abade Ferrão.  Esta reabilitação passa também pela forma como Amélia se posiciona sucessivamente perante a sua gravidez: primeiramente de um modo quase histérico, depois aceitando-a, desejando a criança e mesmo  estando aberta à possibilidade de  construir uma família com João Eduardo.

Por fim, Amélia revela-se uma personagem  dotada de alguma densidade psicológica, evidenciada pelas frequentes alterações de humor por que passa:  mostra-se irascível, excessiva, instável, imatura,  exaltada num momento e abatida no seguinte. É, em conjunto com Amaro, a protagonista  que tipifica  a decadência  moral que o romance denuncia.

 

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5 comentários

  1. Jessica Ariana

     /  4 de Janeiro de 2013

    Sendo Amélia uma personagem feminina, gostava de sublinhar o facto de esta ser uma mulher que encaixa em qualquer era, se, claro, se excluir a parte da igreja. Em qualquer caso a mulher é em geral um ser delicado e fortemente dado às emoções; é a figura maternal que se fragiliza no inicio de um grande amor mas que ao longo do tempo vai abrindo os olhos à realidade ganhado aos pouco a sua dignidade e respeito próprio. Eça faz de Amélia uma combinação genial de todas as características gerais da mulher, tornando-a numa Mulher, pois apesar de o tempo alterar as mentalidades e costumes, não muda radicalmente as características fisiológicas do homem e da mulher: as qualidades e defeitos permanecem nos genes já desde os primeiros humanos na Terra, apenas as características dependentes de carácter social é que mudam.
    Tudo isto para dizer o que já é sabido: Eça inconscientemente fez dos seus livros manuais de vida adaptáveis a qualquer era!

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  2. Maria Alcina do Carmo Dias

     /  17 de Novembro de 2014

    Amélia será tudo o que acima se escreve a sua respeito, não podendo deixar de corroborar a densidade psicológica referida, que faz dela uma personagem assaz interessante. É neste registo que prossegue este breve comentário. Com efeito, para lá da acutilante crítica que é feita à sociedade burguesa de então, nomeadamente à família e à igreja ( é interessante analisar a figura do padre na literatura de Eça, Camilo, Aquilino),pode ler-se o autor pela análise do carácter dos seus personagens através do seu comportamento, e daí, parte da sua intemporalidade. Amélia e Amaro têm corpos que desobedecem, que conhecem a energia da transgressão que rompe o destino terreno, o Bem desenhado pela moral. Pode esta força oculta ser alimentada, pode sobreviver? Ultrapassa o indivíduo o colectivo?
    Amélia vai desfiando incongruências. Ela não tipifica o ‘feminino’, mas um ser em conflito consigo mesmo.
    Tudo seria mais fácil se o ser humano não fosse feito de razão, emoção, sentidos, afectos…Mais fácil, mas menos misterioso, e seguramente menos belo.

    (Não escrevo segundo o acordo ortográfico).

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  3. Excelente comentário! Fico grato.

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  4. Maravilhosa sensibilidade retratística ao descrever Amélia em seus pormenores. É difícil ao leitor não ter esse encantamento pela fragilidade, pela resignação eclesiástica, embora saibamos que nos romances de Eça a consciência é um dos pilares do realismo/naturalismo.
    Essa descrição da personagem mistura objetividade com subjetividade.
    Eça mostra um mundo conflituoso no mundo interior e na sociedade. Amélia e Amaro vivem esses monólogos interiores, daí a complexidade dessas personagens.

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