O crime do Padre Amaro, pela Editora da UERJ

O crime do Padre Amaro, lançamento da Editora da UERJ [Universidade do Estado do Rio de Janeiro], já está disponível para compra no site ou na sede da própria editora. O livro chega ao mercado em boa hora, atendendo ao estudante que precisa dessa leitura para fazer o exame discursivo da segunda fase do vestibular da UERJ, no dia 2 de dezembro.

Scanner_20190208

A edição inclui uma análise textual concebida pelos professores do Instituto de Letras da UERJ, Eduardo da Cruz e Sérgio Nazar David. Com isso, o vestibulando poderá aprofundar a sua leitura, destrinchando o estilo e as ideias do célebre autor português e compreendendo melhor o cenário político e social da época em que o romance foi lançado. (…)

Como garantia de qualidade, a EdUERJ utilizou parâmetros adotados pela edição crítica de O crime do padre Amaro, preparada pelos especialistas Carlos Reis e Maria do Rosário Cunha, publicada em 2000, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, editora portuguesa. (continuar a ler aqui )

Leiria, 2ª metade do séc. XIX

 

O Crime do Padre Amaro, 2ª versão

digitalizar0011            A edição d’O Crime do Padre Amaro [segunda versão, fac-similada] que agora se  publica assume, por vários motivos, um importante significado histórico-literário na produção literária queirosiana. Dada à estampa pela primeira vez em 1876, esta segunda versão d’O Crime do Padre Amaro  (a primeira aparecera em 1875, na Revista Ocidental)viria a ser superada pela terceira versão  (1880), desmentindo  a indicação “Edição Definitiva” impressa no fronstispício do livro. Num escritor como Eça de Queirós, que longamente trabalhava e retrabalhava os seus textos, dificilmente um romance poderia ser, estando ele vivo, definitivo…

Seja como for, O Crime do Padre Amaro, cuja  tosca primeira versão  o então jovem escritor de imediato renegou, é um romance com o qual  Eça se debateu longamente.  Na época e mesmo mais tarde, O Crime do Padre Amaro  valeu ao seu autor acerbas críticas, dentre as quais a de plágio, relativamente a um romance de Zola, La Faute de l’Abbé Mouret, título que integrava a série Les Rougon-Macquart  e que muito sugestivo era para alimentar a tal suspeita de plágio. Mas esta não era talvez a questão mais melindrosa; a temática  anticlerical do romance  chocava, muito naturalmente, leitores pouco habituados a uma literatura não apenas realista, mas também incipientemente naturalista. Terá sido  também por força dessas críticas que um Eça ainda em formação tratou de reescrever o texto do seu romance.

Passava-se isto num tempo literário vivido de forma muito intensa e motivador de opções literárias e ideológicas provindas do ideário das chamadas Conferências do Casino. Nelas, Eça de Queirós fizera uma intervenção de que se não conhece o texto, mas que se sabe ter sido orientada para a recusa do romantismo historicista e para a apologia de um  romance de intuito reformista, virado para o real e para o presente e empenhado em denunciar as derrogações sociais, morais e culturais que uma sociedade decadente (dizia Antero, nessa época mentor de Eça) exibia.  Proudhon, Flaubert  e Courbet eram as referências ideológicas, literárias e artísticas em que o autor d’O Crime do Padre Amaro se apoiava; e o conto Singularidades de uma Rapariga Loura (1874) indiciava com clareza o chamamento realista de Eça de Queirós, nesse início dos anos 70.

Esse chamamento aprofunda-se n’O Crime do Padre Amaro de 1876 e também n’O Primo Basílio, que veio logo depois, em 1878. O  romancista partia então  de um princípio basilar que a nova estética impunha: a observação  da realidade, dos costumes e das pessoas. Foi essa realidade que  Eça conheceu em Leiria, no breve tempo lá passado,  quando desempenhou funções de administrador do concelho, pouco antes de iniciar a sua vida profissional como cônsul de Portugal. A aspereza com que nesta versão os costumes religiosos e a vida devota  são criticados tinha muito de programático; disso mesmo procurou libertar-se a terceira e definitiva versão do romance. Mas isso não evitou que esta que agora podemos ler (e que naturalmente é muito pouco conhecida do grande público) deixasse uma  viva marca anticlerical, revelando, ao mesmo tempo,  um pendor naturalista algo imaturo.

A história dos amores de Amaro e de Amélia, um  sacerdote sem vocação e uma jovem  devota educada na veneração dos padres, tinha tudo para acabar mal. E assim foi. Resultando dos tais amores o nascimento de um filho, havia que encontrar uma solução para uma tão incómoda situação. Incómoda, mas, acrescente-se, relativamente frequente na época. Em desespero de causa, Amaro lança a criança ao rio e consuma um infanticídio que, no episódio em causa, está envolto pelas cores sombrias de uma atmosfera noturna e quase tétrica. Era assim este Eça ainda contaminado por uma emotividade romântica  que o naturalismo mal interiorizado não superara inteiramente. Para quem conhece O Crime do Padre Amaro que hoje lemos (ou seja: a tal edição reelaborada de 1880 e aparentemente retocada em 1889), o infanticídio é surpreendente, porque Eça o cancelou na versão final; e é só nesta que encontramos personagens e episódios que atestam a maturação a que foi sujeito este texto de 1876, ainda imperfeito mas já capaz de atestar um grande talento literário em desenvolvimento. Por alguma razão (e também com algum exagero) Oliveira Martins terá dito que O Crime do Padre Amaro fora “o único romance que Eça trouxera no ventre”.

(Prefácio à edição fac-similada distribuída com o Público a 29.10.13)

Leiria na 2ª metade do séc. XIX

Leiria na 2ª metade do séc. XIX

 

Desastre literário

Eça cerca de 1870

Eça cerca de 1870

Os incidentes que rodearam a publicação dO Crime do Padre Amaro – ou melhor, do primeiro O Crime do Padre Amaro, em 1875 – constituem um episódio decisivo para o amadurecimento literário de Eça de Queirós; consequência imediata desse amadurecimento foi, desde logo, o labor de aperfeiçoamento a que Eça se consagrou, até chegar à versão definitiva do seu romance. Não por acaso e de acordo com um testemunho de Fialho de Almeida, Oliveira Martins teria dito, a propósito d’O Crime do Padre Amaro, que aquele fora “o único romance que Eça trouxera no ventre”. A esta afirmação facilmente se associa a máxima antiga e de alcance muito mais geral, com inteira justeza enunciada também acerca da presente obra de Eça: habent sua fata libelli.
O romance O Crime do Padre Amaro tem, de facto, um destino singular e, antes disso, um trajeto de longa incubação. Destino tão singular que dele pode dizer-se que corresponde não só à parte importante de um certo percurso estético-ideológico, como simultaneamente traduz uma ética da criação artística que os anos tratarão de apurar.

Antes, entretanto, de analisarmos esse episódio fundamental (e nalguns aspetos ainda mal conhecido) da formação de Eça, avance-se o seguinte: que os depoimentos, sobretudo epistolares, que, para o efeito se recolhem, hão de ser relativizados em função de fatores de distorção a que convém estar atento; o epistolário queirosiano (ainda não estudado de forma sistemática), é certamente um corpus altamente sugestivo, pelas informações que encerra, mas não deve, por isso, levar-nos a esquecer o que, afinal, não se passa só com Eça: que, nas suas cartas, o escritor tende, não raro, a encenar explicações ou a ocultar motivações. E muitas vezes não é só o destinatário imediato que é visado: é também um destinatário mediato, inscrito na posteridade, destinatário outro não menos importante do que o primeiro, em quem o escritor provavelmente também pensa, ainda que obviamente o não diga de forma expressa. A esse destinatário outro endereçam-se, por vezes, de forma enviesada, explicações que podem não convencer o primeiro, mas que, a prazo, ilustrarão aspetos importantes da vida literária do escritor.

(continuar a ler)

O Sonho de Amélia, por Paula Rego

O Sonho de Amélia, por Paula Rego