Juliana

De seu nome completo Juliana Couceiro Tavira, esta é uma personagem com relevo crescente ao longo da ação do romance, sobretudo quando se torna verdadeira protagonista de uma espécie de segunda intriga (decorrente do adultério), que é a da chantagem exercida sobre Luísa.

Logo na sua caracterização e pelos termos em que é elaborada, percebe-se que se trata de uma personagem com um certo destaque funcional e semântico. A sua entrada na história (cap. I) suscita uma primeira descrição, eminentemente física e já de tom depreciativo: “Devia ter quarenta anos, era muitíssimo magra”; as suas “feições, miúdas, espremidas, tinham a amarelidão de tons baços das doenças de coração”; fala-se depois na inquieta curiosidade de que constantemente dá mostras e, em geral, na sua fealdade.

Marília Pêra como Juliana, na versão d’O Primo Basílio de Gilberto Braga para a Globo (1988)

A esta primeira caracterização, de tom visivelmente naturalista, segue-se uma outra (cap. III), bastante mais minuciosa, agora de incidência social e psicológica. Numa longa analepse, o narrador ocupa-se do passado de Juliana, da sua origem social precária, dos seus antecedentes como criada (“servia, havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte”), do ódio que vai acumulando em relação às patroas, da sua saúde debilitada, do seu temperamento azedo e conflituoso, das suas atitudes desconfiadas e vigilantes: “Tinha um modo de andar ligeiro e surpreendedor. Examinava as visitas. Andava à busca de um segredo, de um bom segredo! Se lhe caía um nas mãos!”

Juliana é, pois, uma personagem relativamente complexa, cuja intervenção na ação se torna decisiva, a partir do momento em que detém esse “bom segredo” que perseguia: os bilhetes e cartas trocadas entre Luísa e Basílio, que lhe permitem exercer chantagem sobre a patroa. É sobretudo a partir de então que os atributos de perversidade e espírito de vingança, sugeridos nas caracterizações iniciais, emergem decisivamente, até ao desenlace que é a morte da personagem (cap. XIII).

Figura que pode considerar-se das mais interessantes da ficção queirosiana, Juliana concentra em si sentidos e valorações de certa forma contraditórios. Por um lado, ela parece representar a solidária preocupação de Eça (e sobretudo do Eça de formação ideológica socialista e reformista) relativamente a desequilíbrios e a injustiças sociais que havia que denunciar; por outro lado, Juliana acaba por ser configurada como entidade de sinal negativo, suscitando sentimentos de rejeição. É significativo, aliás, que seja Sebastião, o “bom rapaz”, quem consegue resolver a situação criada, arrancando a Juliana as cartas roubadas, o que definitivamente lança sobre a personagem um estigma de condenação, pelos comportamentos que interpreta.

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1 Comentário

  1. João Miguel Santos

     /  7 de Agosto de 2017

    Prezado Professor Carlos Reis,
    Será que me pode elucidar acerca dos pressupostos naturalistas presentes na descrição do passado de Juliana, no capítulo III do romance? E que outros momentos do romance podem evidenciar a filiação naturalista da obra?
    Muito grato pela sua atenção.
    João Miguel Santos

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