Ramires na Imprensa Nacional-Casa da Moeda

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A Biblioteca Fundamental da Literatura Portuguesa, editada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, trata de pôr à disposição de um público que se deseja vasto um conjunto alargado de textos  da literatura portuguesa,  enquadrados por elementos de apoio à leitura, designadamente uma introdução e uma nota biobibliográfica, bem como, quando tal se justifica, notas ao texto. A Biblioteca Fundamental da Literatura Portuguesa  procura, deste modo, colmatar lacunas que atingem sobretudo a produção literária de escritores do passado. Para além disso, privilegia-se aqui uma perspetiva  patrimonial,  em função do significado  literário e social das obras escolhidas; reconhece-se, assim, à literatura (e à literatura portuguesa em particular) uma dimensão institucional que se traduz também na presença de autores literários no ensino do idioma, a par da função de legitimação simbólica usualmente atribuída àqueles autores.

O romance A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós, integra esta Biblioteca Fundamental da Literatura Portuguesa sem que para tal seja necessária uma justificação circunstanciada. Trata-se, com efeito, não apenas de um dos grandes romances queirosianos, mas também de um dos títulos mais relevantes de toda a nossa história literária, inscrito, além disso, num momento de mudança da literatura portuguesa, em pleno fim de século.

Tendo aparecido em livro logo depois da morte de Eça,  A Ilustre Casa de Ramires levanta desde logo um problema, que é o que trata de saber até que ponto o romancista desenvolveu, até às últimas consequências, o trabalho de revisão e de acompanhamento editorial que sempre fazia questão em levar a cabo. Para mais, a história de Gonçalo Mendes Ramires não era nova nem desconhecida, quando esta obra, adequadamente entendida como semipóstuma, viu a luz do dia. Antes de ser livro (e já depois de uma  fugaz e muito curta publicação prévia), o romance fora parcialmente inserido na Revista Moderna, que contou, aliás, com abundante colaboração queirosiana; encetada em 1897, a serialização continuou até 1899, quando terminou aquela vistosa mas efémera revista. Justamente a edição crítica d’A Ilustre Casa de Ramires, datada de 1999 e preparada por Elena Losada Soler, tratou de fazer o historial das duas versões que o romance conheceu, ao mesmo tempo que fixou o seu texto (que é aquele que aqui se adota), até onde os materiais disponíveis o permitiram. Note-se ainda que não era nova em Eça, nem na literatura do seu tempo, esta prática: publicar obras literárias em revistas ou em jornais era não só uma forma de captar leitores e de gerar proventos antes de o livro ser posto à venda,  como, ao mesmo tempo, o escritor se precavia contra o risco de edições piratas no Brasil. Eça fez isso mesmo com O Mandarim, com A Relíquia, com Os Maias e, como já se disse, com A Ilustre Casa de Ramires.

O presente romance constitui um dos títulos queirosianos que mais e melhor atenção têm colhido, por parte dos estudiosos do nosso maior romancista. Contribui para isso o facto de a história dos Ramires (e em particular a do fidalgo da Torre) trazer consigo temas e problemas de grande relevância literária, social e ideológica, ao que se junta um evidente potencial de representação simbólica e mesmo alegórica. A História de Portugal e o seu devir, a mudança das lógicas de poder no Portugal oitocentista, a questão de África e das colónias (em estreita conexão com o trauma do Ultimato), a crítica da sensibilidade romântica e a moda da novelística histórica, tudo isto faz do encontro (ou do reencontro) com este relato um privilegiado motivo para ler algum do melhor Eça. É isso que a presente edição quer propiciar, com o apoio da introdução e da nota biobibliográfica que neste volume se encontram.

(Carlos Reis, Nota Prévia)

 

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